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Fazendo compras em Roma

julho 24, 2009

Aquela tarde saí para fazer compras, mas antes de chegar ao meu destino tive que fazer a parada regulamentar na sorveteria porque o verão em Roma chegou e não está pra brincadeira.

Depois de matar a sede, voltei a meu objetivo inicial. Minhas compras se limitaram a essas coisas prosaicas que compra toda dona de casa de classe média: umas verduras para a salada, um quilo de tomates cerejas, dois litros de leite de cabra, umas bolachas cream cracker, um quilo de arroz, alguns mirtilos e, num impulso de gula, meio quilo de raviólis vegetarianos.

Caminhei um pouco a pé, naturalmente ziguezagueando entre os carros parados sobre a faixa de pedestres devido ao congestionamento, e finalmente cheguei ao ponto de ônibus carregando duas sacolas de supermercado. Enquanto esperava pelo ônibus que não queria chegar, escutava fragmentos de conversa com sotaques variados e observava as pessoas, umas perturbadas pelo tráfego sempre caótico, outras como anestesiadas, já insensíveis ao tormento da metrópole.

E foi assim, em minha distração preferida enquanto espero – o que não se faz pouco quando se depende dos transportes públicos – pois foi assim, dizia, que vi passar um carro da polícia. Antes que eu terminasse de pensar, rindo de mim mesma, como seria bom ser levada pra casa pelo policial pra chegar logo, vi que ele estacionou o carro em segunda fila um pouco depois do ponto de ônibus. Em seguida, outros dois carros, daqueles oficiais, azuis-marinhos, aos quais os italianos se referem entre irritados e cômicos como “le macchine blu“, também estacionaram em zona proibida complicando um pouco mais o trânsito já engarrafado de Viale Marconi.

Então do terceiro carro saiu um homem jovem, usando terno e gravata azul-marinho e camisa branca, e foi abrir a porta traseira do segundo carro. Eu estava curiosa para ver a pessoa que desceria. E eis que ela apareceu. Era uma mulher alta, de pele clara, com o cabelo castanho escuro, liso, um pouco acima dos ombros, que usava um vestido estampado de azul e branco. Atravessou a calçada onde eu estava e entrou numa loja de eletro-eletrônicos. O homem que lhe havia aberto a porta entrou atrás dela. Pouco depois o motorista do terceiro carro também desceu e entrou na loja. E eu fiquei ali me perguntando quem seria aquela mulher que utilizava três carros para circular pela cidade, inclusive um da polícia, e o que poderia querer em uma loja de Viale Marconi com tantas outras nas ruas mais elegantes de Roma. Olhei na direção do Piazzale della Radio e nem sinal de ônibus, então peguei as sacolas de compras e entrei eu também na loja.

A mulher de azul estava diante de um balcão de informações enquanto o empregado, que não sabia dos três carros esperando por ela em segunda fila, a tratava como uma cliente normal e continuava falando ao telefone e fazendo-a esperar.

Enquanto eu me dirigia ao fundo da loja para fingir que olhava as mercadorias, um dos seguranças apareceu inesperadamente de detrás de uma vitrine e eu me desculpei por atravessar-lhe o caminho. Ele me respondeu “Prego“, muito gentil, mas sempre sério e eu comecei a olhar umas tintas incompatíveis com minha impressora.

Talvez cansada de esperar, a mulher de azul foi olhar uns secadores de cabelo. O segurança a seguiu a pouca distância, depois chamou o outro, que era o motorista e lhe disse algo. Pouco tempo depois que o motorista tinha se afastado, um rapaz empregado da loja veio atender a mulher misteriosa e eu fingia escolher um ferro de passar, eu que detesto passar roupa e quase não o faço.

Em voz baixa e com um sotaque que não consegui identificar se era italiano ou estrangeiro, ela pedia informações sobre um objeto que eu não via e o rapaz lhe disse que para aquele modelo ela deveria comprar a memória em separado. A mulher quis saber quanto custava a memória. Pouco mais de sete euros. Mas não lhe servia tanta memória, podia ser menor que a oferecida e o rapaz lhe respondeu que aquela era a menor existente. Ela então se decidiu por aquele objeto com aquela memória e nós à sua disposição: os dois seguranças que a esperavam à distância adequada, eu que continuava olhando os ferros dos quais não tinha necessidade e todas as pessoas que passavam pela rua num espaço mais reduzdo devido aos três carros que a esperavam.

Distraí-me por um momento com o ferro e ela desapareceu. Então decidi voltar ao meu lugar, quando vi que estava pagando a mercadoria que havia comprado. Claro, o objeto, o que era? Voltei sobre meus passos até a vitrine diante da qual ela estava com o empregado da loja e vi uns porta-retratos eletrônicos.

Saí da loja e me posicionei para esperar o ônibus a tempo de vê-la sair com as caixas na mão, sem sacola, e dirigir-se ao carro. O segurança se apressou a abrir-lhe a porta, esperar que entrasse, fechar a porta e dirigir-se por sua vez ao carro que ia atrás e em cuja direção já estava seu companheiro.

O carro da polícia, com as luzes do teto acesas, começou a abrir caminho entre os carros e se pôs na pista da esquerda seguido pelos outros dois.

Continuo sem saber quem era aquela mulher de vestido azul com um drapeado na cintura que não lhe disfarçava muito bem a barriga um pouco grande, sapatos pretos com o salto baixo e muito grosso, maquiagem discreta e bem feita, cabelo liso bem penteado e que circula com três carros pela cidade eterna.

Entre tantas coisas que não sei, tampouco sei até que ponto isso se repita cotidianamente em Brasília, por exemplo.

Imagino, porém, que ela chegou a seu destino antes que eu chegasse em casa com as duas sacolas de compras no ônibus lotado escutando uma mulher morena que contava a uma amiga como sua mãe estava sofrendo com sete costelas quebradas que não lhe permitiam nem sequer respirar de tanta dor. Que estava um pouco melhor quando lhe administravam um dose de morfina, mas passado seu efeito recomeçava o sofrimento.

A filha desceu do ônibus dois pontos antes do meu.

Aniversário

fevereiro 23, 2009

Confiro pela décima vez a mesa de jantar, está impecável. É meu aniversário e certamente será o mais feliz dos últimos anos.
Finalmente consegui criar coragem para convidá-lo à minha casa. Foi realmente uma ótima ideia usar o aniversário como motivo do convite. Ele só não sabe que é o único convidado: isso sim, foi um golpe de mestre. Quando entrar por aquela porta e perceber que somos só nós dois… Impossível não dar certo.
Toca a campainha. Olho mais uma vez no espelho: tudo em ordem. Ponho uma gotinha de perfume e vou até a porta.
Calma, não posso parecer ansiosa demais. Respiro fundo, cruzando mentalmente os dedos e giro a maçaneta.
Ele entra e, antes que eu possa dizer qualquer coisa, antes que eu possa sequer absorver o que vejo, diz:
– Oi. Feliz aniversário! Esta é Márcia, minha namorada. Márcia, Clara. – E, olhando ao redor – Puxa, acho que a gente chegou cedo…

Mauro Shampoo, o craque do pior time do mundo

setembro 20, 2008

Falar do melhor futebol do mundo todo mundo fala; basta descrever qualquer time de várzea, formado por meninos descalços que, com uma bola improvisada, executam com maestria aquele balé conhecido como futebol brasileiro.

Mas encontrar o pior time do mundo, e mais, encontrá-lo no Brasil, exige pesquisa séria da qual vi o resultado. Trata-se do documentário Mauro Shampoo – Jogador, Cabeleireiro e Homem, exibido no Porta Curtas.

Divertido, emocionante, forte, autêntico, assim é Mauro Shampoo, craque do Ibis Sport Club, que entrou para o Guiness como o time que mais perdeu no futebol mundial. Igualmente divertido e emocionante é o curta de Leonardo Cunha Lima e Paulo Henrique Fontenelle.

Vale a pena assistir! Depois me digam se eu não tinha razão…

Todas as estradas nos afastam de Roma

maio 20, 2008

Para quem não conhece Roma, a cidade é circundada por uma auto-estrada tangencial, sem pedágio, chamada de “Grande Raccordo Anulare” (GRA) ou simplesmene “Raccordo”, como dizem os romanos. É um verdadeiro círculo (por isso anular) ao redor da cidade, com várias saídas por todo o percurso, nas quais é possível dirigir-se para o centro da cidade ou para fora do anel. É uma coisa cômoda, se levarmos em consideração que Roma tem um dos trânsitos mais caóticos do mundo e atravessar a cidade de carro é tarefa quase impossível, principalmente em certas horas dos dias feriais.

Dito isso, vamos aos fatos.

Claudio já me disse muitas vezes que gosta muito de dirigir. Talvez por isso (inconscientemente) erre a estrada para ficar mais tempo dentro do carro. Vai-se saber! Quem é que pode afirmar que conhece a tão complicada mente humana? O fato é que já é um clássico: todas as vezes que viajamos de carro, não importa se é uma viagem de centenas de quilômetros ou um giro dentro dos limites do Grande Raccordo Anulare, nós nos perdemos.

Da última vez (na verdade, penúltima, porque antes que eu publicasse o post aconteceu de novo, mas já tinha me decidido a contar esse episódio… risos) tínhamos ido visitar um médico amigo dele que trabalha no leste da cidade (nós moramos no sul). Na volta pra casa, no final da tarde, Claudio pegou uma estrada que nos levaria para o Raccordo a fim de evitar o tráfego do centro da cidade e, quando percebeu, estávamos diante dos guichês de uma auto-estrada que conduzia, naturalmente, para longe de Roma. Então ele diminuiu a velocidade, mas ficou alguns segundos sem saber o que fazer. Nesse meio tempo eu vi a indicação para uma cidade chamada Lunghezza e disse:

– Por que você não sai da estrada, fazendo de conta que vai pra Lunghezza, depois faz o retorno, pega a estrada de novo e volta pra Roma?

E ele, começando a rir:

– É o jeito, lá vou eu pagar a auto-estrada. Eu pago, pago, pago e ela ri, ri, ri…

Porque, verdade seja dita, eu me divirto e rio até as lágrimas nessas situações. Depois fico fazendo piada com a cara dele pelo menos por um mês.

Fizemos como eu tinha dito: ele pagou o pedágio de € 1,10 (sorte dele que era pouco, mas já pensou quanto dá no final de um mês?), saiu da estrada, fez o retorno, pagou de novo o pedágio (e eu rindo) e nós voltamos pra casa.

Durante todo o trajeto fizemos piadas com essa história. Eu disse que até o nome da cidade onde fomos parar era perfeito, afinal pra alongar o caminho quer melhor direção que Lunghezza? E ele me respondeu:

– Claro, senão a cidade deveria se chamar “Cortezza”.

Eu ria mais ainda porque quando começamos o trajeto de volta e vi que ele estava fazendo uma estrada diferente daquela que tínhamos feito na ida, disse pra ele prestar atenção e não errar de novo (eu preciso dizer que ele errou a estrada na ida? Parece mentira, mas não estou inventando nem aumentando nada…). Quando mencionei essa observação que tinha feito, ele disse que tinha se distraído conversando comigo, que estava todo relaxado batendo papo e não viu a indicação para o Raccordo. Mais uma prova de que os homens não conseguem fazer duas coisas ao mesmo tempo, enquanto nós mulheres… mas isso é outra história.

Bem, é por essas e outras que aquele ditado precisa ser mudado ou pelo menos atualizado: “Todas as estradas levam a Roma”? Pode até ser, desde que não seja com Claudio ao volante.

Caso português

maio 10, 2008

Não, esse título não é um erro gráfico, eu não pretendia escrever a “casa portuguesa”, canção que lembra minha infância, embora naquele tempo nós não tivéssemos muita chance de ouvir música – tínhamos apenas um rádio, herança paterna e que um dia meu irmão mais novo desmontou “pra ver como era por dentro”.

Devo afirmar ainda que esse é um caso verídico, não sou muito afeita a contar piadas de português, não por falso moralismo, é que não me agrada ouvir, entre estrangeiros, piadas de brasileiro, ou entre sulistas as famigeradas piadas de nordestino, de baiano…

Enfim, esse caso se deu quando eu viajava pela primeira vez do Brasil para a Itália com uma escala em Lisboa. Estava curiosa pra ver ainda que fosse uma pequena mostra daquele país de que tantas vezes ouvimos falar nas aulas de história. Desejava ver mais de perto alguns portugueses e descobrir afinal sua inteligência pra desmentir todas as piadas que ouvisse de volta pra casa. Tínhamos pelo menos duas horas de espera até o prósimo vôo com destino a Milão, e eu considerei que era tempo suficiente para essa pesquisa, que não era afinal tão científica assim.

Nossa primeira dificuldade no aeroporto foi encontrar um banheiro. Esqueci de dizer que não estava sozinha, viajava com quatro amigas (sei de alguém que vai dizer que esse esquecimento é ainda orgulho, que preciso trabalhar a humildade…). Pois bem, depois de arrastar nossa bagagem de mão por quase todo o aeroporto, encontramos o banheiro e nos pusemos mais apresentáveis para nossa excursão possível ao que se nos apresentava do velho Portugal.

Uma de minhas amigas já havia ficado encantada com o policial com quem falou no desembarque. Ele, enquanto olhava seu passaporte, aproveitou para fazer-lhe uma pequena entrevista que não era exatamente o que se espera responder num aeroporto… Ela saiu rindo e dizendo que Joaquim era um nome muito bonito. Nós rimos muito das besteiras que ela dizia e dissemos que não se esquecesse de que nós estávamos fora do Brasil, mas que todo mundo ali falava a mesma língua. E recomendamos muito cuidado com os micos – essa minha amiga tem pós-doutorado em micos, mas esta é outra história…

Andamos pelas lojas observando roupas, acessórios, perguntando o preço de tudo e não comprando nada, que afinal um euro estava valendo três reais, não dava pra sair comprando assim. Mas até aí eu achava tudo normal, exceto alguns itens do vestuário feminino expostos nas vitrines das lojas e que eu achei um tanto exagerados nas cores e detalhes chamativos.

Afinal, depois de andar à toa por um bom tempo, decidimos nos sentar numa sala de espera porque não era lá muito agradável ficar andando com aquela bagagem. Mas isso também não foi uma idéia muito boa: a sala tinha um forte cheiro de cigarro e, embora eu não tenha nada contra os fumantes, afinal cada um tem o direito de se maltratar como quiser, eu não suporto cheiro de cigarro nem me agrada a idéia de ficar intoxicando meu corpo. Procurei a área de não fumantes e não encontrei. Então estudei cuidadosamente a sala em todas as direções, porque era bem espaçosa, e como não encontrava mesmo uma área reservada para não fumantes, resolvi me informar com uma das moças que trabalhavam por ali.

Fui em direção ao balcão ainda muito hesitante, porque havia visto muitas placas indicando “zona de fumadores” e muitos cinzeiros espalhados pela sala. Em cada canto da sala havia uma placa daquelas, mas não havia nenhuma de “não fumadores”. Pensei que poderíamos estar na sala errada, mas mudei de idéia por causa das placas. Se fosse uma sala só de fumantes, eles teriam posto o aviso “sala de fumadores” ou algo parecido na entrada e não tantos cartazes espalhados ao redor da sala. Então criei coragem e perguntei à moça que me pareceu a mais simpática:

– Por favor, onde é a área de não fumantes?

Ao que ela me respondeu com um “Ahn?” e uma careta de quem não entendeu bulhufas. Resolvi traduzir:

– Por favor, onde é a “zona de não fumadores”?

“Ah, que vergonha”, pensei ao ver sua expressão. Ela me fez uma cara de quem não acreditava no que eu havia perguntado e me respondeu simplesmente:

– Em todos os lugares onde não há a indicação de zona de fumadores…

Como se aquilo fosse a coisa mais lógica do mundo.